segunda-feira, 30 de janeiro de 2017

De volta ao hospital (Parte 3)

O primeiro paciente do dia que fui olhar era um que estava arfando de morte. 

Havia sido internado por causa da dispneia que vinha tomando conta de si nas últimas semanas. 

Existem alguns tipos de dispneia. Um professor de pneumologia havia definido o sintoma de forma bem prática. Não é  normal sentir a respiração. Dispnéia é quando você é direcionado, involutariamente, a perceber que respira. 

Antes desta internação, havia outras dispnéias do paciente. Uma já de há muito, por causa da depressão. É o que chamamos de dispneia suspirosa. Penso que a depressão, quando toma conta do paciente, o faz se sentir com o corpo alienado. É um fardo mesmo fazer os pulmões inflarem. Houve também uma dispnéia dolorosa, não pelos pulmões em si. Eles se ressentiam da dor do fêmur quebrado pelo câncer que há muito o invadia. Ninguém descobriu de onde vinha a doença. Das invasões bárbaras, a pior é quando não se sabe seu quartel general. 

Então, ali estava ele, dispnéico por múltiplos motivos, hoje com um pulmão tomado pelo câncer, e sem oxigênio mesmo para discernir se eu era o doutor ou o seu pai. 

A minha sina da manhã foi tentar encontrar um lugar onde pudesse descansar em paz. Não cheguei a perguntar quanto tempo dos seus quarenta e cinco anos foi de sofrimento. O fato é que mesmo a família já havia aceitado que deveria descansar. Sem mais qualquer dor que a medicina quisesse inflingir em busca de uma cura que não existia. 

Todos os lugares estavam lotados. Nenhum podia acolhê-lo. 

- Você coloca um biombozinho para isolar o momento. - disse o jovem médico da sala de parada. 

Meu Deus! Tão jovem, bem mais que eu, e já dando orientações de como se pode morrer com uma dignidade menos aviltante. 

Eram sete pacientes em uma sala pequena. Mais sete acompanhantes, um para cada. Mais quatro auxiliares de enfermagem entrando e saindo da sala. Mais duas enfermeiras se revezando no uso do computador para aprazar as prescrições do dia. Nesse alvoroço, ali no canto, talvez vendo o próprio pai vindo lhe buscar, ele chamava suas lembranças para lhe escoltarem na passagem. Mas, sua partida não foi tranqüila de início. Um remédio para lhe acalmar o conduziu para um sono profundo. A partir daí, o semblante serenou.  A respiração começou a falhar. 

Entre os espíritas, acreditamos que estes são os momentos que uma equipe de cirurgiões transcendentais vão cortando os liames que ligam o corpo ao Espírito. É uma cirurgia delicada e doce. Energias impostas sobre pontos específicos vão afrouxando laços. Um influxo especial no centro de força coronário seda a pessoa. Como a doença já vinha crônica, todo um ambiente já vinha sendo preparado para a recepção dele. 

- Ele parte nas próximas horas. 

A filha chora forte, mas busca não soluçar para não constranger os demais estranhos ao momento. Os outros familiares não estavam presentes porque não aguentariam ver. E se agüentassem, caberia mais alguém lá?

Vou à sala de reanimação avisar aos médicos da partida que não tarda. Aviso também ao chefe de equipe do dia, preso ao telefone em busca de vagas, e aos outros colegas que assistem o corredor. Alguém preencherá a declaração de óbito. Percorro o corredor infinito até a máquina do ponto. Despeço-me do dia. Que vontade de abraçar meu filho!

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