quarta-feira, 6 de abril de 2016

Entrevista concedida a estudante de medicina do semestre inicial

1. O que significa saúde para você?

Saúde não é o contrário de doença, disso eu já me convenci. Porque são raras as pessoas que não possuem alguma mazela corporal ou psíquica, nem por isso devemos considerar a maioria das pessoas doentes. Possuem doença, mas a saúde prepondera em muitas. Saúde está atrelada à força de viver, resistir, mudar, criar. Enquanto houver esse dinamus, que é espírito, há saúde. Doença é quando esse dinamus se arrefece. Veja uma criança: enquanto ela pula e corre não há um Pediatra que não diga assim: "o que mesmo ela veio fazer aqui?". Sou adepto do vitalismo. Veja lá o que significa isso.


2. O que contribui para que você tenha saúde?
Equilíbrio. Desde de as minhas interações celulares, passando pelas minhas interações sistêmicas corporais, atravessando as interações do meu espírito-corpo, chegando as interações sócio-familiares, alcançando a conexão com o divino. Nas sócio-familiares entra o quesito emprego bom para poder ter tempo de lazer com quem amo. A cena mais triste que pode existir é aquela da música do Chico Buarque: "O amor mal feito depressa, fazer a barba e partir." Por isso que a desigualdade social e a miséria são tão geradoras de doença.


3. O que significa doença para você?
Doença é quando há desequilíbrio em qualquer dessas esferas que te falei anteriormente a tal ponto que ultrapassa nossa capacidade de gerir esse desequilíbrio, superá-lo. É quando somos mais ou menos dominados pela sombra, o eu que até então controlava os reveses se enfraquece e precisamos de uma ajuda externa para nos recompor. Não precisa ser uma ajuda médica, mas de um que faça as vezes de cuidador.


4. O que faz com que você adoeça? Você acredita que, no dia-a-dia, sua saúde está exposta a riscos? Quais?
Vou começar respondendo a segunda parte desta pergunta, porque a primeira acredito ter respondido na pergunta 2. A vida é uma luta. Não há um só momento em que não estejamos em luta para sobreviver. Mesmo no instante em que parecemos estar mais plácidos, em nosso corpo há uma célula que escapa da divisão normal e quer ser cancerígena. Não logra êxito porque há apoptose e natural killers. Um dia o seu organismo pára de se auto-reconhecer e origina as doenças auto-imunes. No âmbito relacional, seus amigos ou amantes, que são humanos, estão sempre a um passo de te machucar. E isso não é razão para não amá-los. No espaço social, a qualquer momento, em qualquer lugar, você pode ser vítima de uma violência, pois as sombras da cidade estão cheias do produto de nossa desigualdade econômica, dos nossos ódios de classe ou mesmo de partido. Quando pensamos em humanidade, veja a Zika comprometendo nossas crianças, a Dengue sangrando nossos adultos, e a corrupção matando cidades inteiras. E no cosmos, só não temos um grande astro a nos atingir porque ainda não chegou a hora. Não estou sendo pessimista. Certo tipo de saúde que se chama sabedoria é saber que tudo isso pode acontecer e fazer de tudo para não perder a alegria do instante, do encontro com os amores, apesar de ter de cumprir o dever e as obrigações com o futuro. É preciso ser malabarista para viver, surfista para aproveitar as ondas, mas esforçar-se no nado até alcançá-las.


5. Como você resolve seus problemas de saúde? O que você faz quando adoece?
Na maioria das vezes tento dar um tempo para o meu corpo se recuperar por ele mesmo. Que a febre aumente para otimizar as relações imunológicas. Beber muita água para dar meio para o meu corpo agir, que os meus rins tentem purificar as toxinas. Repousar, mas não muito, para que eu não me convença de estar prostrado*
. Quando vejo que há risco maior que benefício para essa conduta expectante, cedo aos remédios alopáticos, mas venho tentando cada vez mais utilizar de homeopatia, naturopatia e yoga para me sanar.


6. Como tem sido atendido por médicos? Relembre suas últimas experiências.
Geralmente bem. Quando eles não estão sobrecarregados com a máquina mortífera e desumana da fila de espera das emergências, são corteses. Passei uma experiência ruim com uma pessoa que foi fazer o ultrassom da minha tireóide. Ela cedeu ao demônio da pressa. Transformou nosso encontro terapêutico em uma produção de número. Quase que ela sai fugindo de mim quando comecei a questionar para querer mais informações do que ela viu. Mas, isso foi um caso isolado. O grande vilão de tudo em todas as áreas é quando primamos apenas pela produção de um resultado, esquecendo de interagir bem.


7. Qual a importância deste posto de saúde para a saúde da sua família?
Como tenho plano de saúde, basicamente utilizo o posto para vacinar meu filho, pegar caderneta da criança e da gestante, e raras vezes remédio. Acho que o posto ainda tem muito o que melhorar para oferecer serviço para todos. Os clínicos precisam ser melhores treinados com residência de medicina de família, a gestão deve cobrar menos atendimento e deve aumentar o número de equipes completas, diminuindo o número de famílias adscritas por cada equipe, para que se possa fazer um trabalho de maior qualidade. Os postos deveriam ser mais amplos com espaços de convivência e auditórios confortáveis para palestras educativas e exercícios de alongamento para as mais diversas idades. Não é uma utopia. Rio de Janeiro, Florianópolis, Curitiba estão indo nesse rumo. O Ceará está marcando passo.




*Minha cunhada falou que esse é o único momento de mentira desta entrevista, pois quando estou doente pareço um convalescente em UTI. Viu só o que eu falei sobre as pessoas estarem sempre a um passo de nos machucar?! Ignoremo-la...

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