quinta-feira, 5 de março de 2015

Franciscanas

Hoje, duas alunas tiveram a iniciativa de ajudar uma gestante que havia chegado sozinha e com fácies de dor. A despeito de eu chamá-las para discutir casos e fazê-las conhecer o resto da maternidade, o que era nosso objetivo lá, continuaram tentando ser útil de alguma forma àquela senhora.

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À época do internato deparava-me com alguns franciscanos ajudando os pacientes internados nos corredores (!) do hospital em que estagiei. 

Figuras estranhas, pareciam ter emergido da Idade Média. Um residente de neurologia, em conversa informal, me falava que tinha certeza que havia algum distúrbio neurológico naqueles senhores e senhoras. Talvez mesmo em Francisco de Assis, o original. 

Já ouvi psiquiatra brincando de dar diagnóstico retrospectivo em grandes personalidades históricas. Incluía o Pai Francisco em um transtorno bipolar. O fenômeno da estigmatização ao final da vida não passava de uma auto-flagelação santificada pelo imaginário religioso de que a mentalidade medieval era repleto. O processo de conversão, despindo-se em público e torrando a riqueza do pai, um episódio típico de mania. 

A dúvida que fica é o que a medicina tem a ver com a resposta feliz das pessoas à vida? Em meio a tanto misticismo, o Pai Francisco parecia uma flor orvalhada no deserto. As mulheres, as crianças e o riso por ele eram dignificados contra toda uma cultura sombria, séria e patriarcal. A esmola não era bem um parasitismo, mas um exercício de ascese espiritual, nos diz Pierre Hadot, Jacques Le Goff. Aprender a enfrentar o orgulho, a vaidade e reconhecer na pele, com a fome e com o desprezo das pessoas o quanto essa vida é passageira e fútil. A amizade, a comunidade e o amor a Deus ou ao Deus que se manifesta no próximo doente eram as grandes preciosidades. 

Tanta gente se figurinizando de ídolos de barro por aí. Escolher uma vida franciscana pode ser uma sábia resposta para esse mundo que nos devora com novas tecnologias ao infinito. Se for fruto de um distúrbio neurológico, porque não poderia ser uma mutação seletivamente enobrecedora? Para os darwinistas vale apenas aquelas que geram melhor capacidade de procriação. Todavia, veja que o pobre de Assis se procria ainda depois de morto e para além de nossos conhecimentos. 

***

Eu impedi aquelas moças de continuar a ajuda. Vim me tocar depois o quanto aquela experiência poderia ser mais rica do que a discussão de casos que empreendia com todos. Sem me tocar me vi subjugado à velha forma de lidar com as pessoas pela medicina oficial: o diagnóstico que ilumina condutas. Menosprezei o quanto o acolhimento, mesmo com conhecimentos parcos de qualquer ciência, é uma ferramenta acessível para todas as almas, sem necessidade de qualquer iniciação. 

Muito bem, meninas!

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