sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

Sobre gestações e Como eu adquiri a calma

Perguntei aos meninos e à menina se eles viram que ao redor da paciente que atenderam havia três gestações. A graduanda percebeu. 

Filho, mãe e pai estavam se gestando. O espaço familiar vai se reorganizando para receber a criança. O corpo da mãe e do pai, também. Quando se abraçam, tem mais alguém entre eles, ainda que seja a ideia. Mais tarde ficará evidente e o abraço mais troncho. 

"Tem gente que nasce sem espaço na vida e passa a vida toda sem espaço." - ouvi uma filósofa falar dia desses. Ter um filho não é só deixar um corpo crescer. Há uma proatividade para além do útero. O ser humano precisa disso: de ter seu canto arrumado pelos pais no mundo. Não pomos ovos, mas fazemos ninhos. É bom que se faça. Por isso peço para que acrescentem às perguntas pré-natalinas: "Está falando com ele, já?". As palavras e os silêncios entre elas nos aninham uns aos outros, bem como no mundo. 

Depois que terminamos de atender aquela gestante, uma senhora nos aborda precisando de um remédio que estava melhorando seu transtorno de humor. Uma doença grave lhe consumia. Já possuía diagnóstico, acompanhamento, consulta marcada. Precisava apenas do remédio por agora, e da escuta. Passou alguns minutos contando de novo sua história. Entendi que ela ainda precisava elaborar tudo aquilo por que vinha passando. Que bom que esses jovens começam seus aprendizados vendo exemplos de consulta que não pretendem diagnóstico algum, mas acolhimento. 

A jovem estudante de medicina do grupo me aborda ao final querendo que eu lhe desse a calma com que conduzia os problemas dos pacientes. Era mais ou menos isso que eu queria quando passei a acompanhar, no internato, um dos médicos mais humanitários que já havia conhecido em toda a faculdade. 

Uma madrugada, quase antes de irmos dormir, uma paciente recém-internada espalhava seus gemidos pelos corredores. Esse meu mestre foi lá e tentou ajudá-la com o único analgésico que ela ainda não tinha usado. Porém, percebeu:

-Vê?
- O que, professor?
- Como ela fica mais calma quando estamos presentes?
- De fato.
- Não se preocupe, senhora. Iremos esperar aqui o soro acabar. 

A dor passa. Ela dorme. Tenho quase certeza que, por alguma alquimia, quem escorreu naquele soro para dentro da veia dela havia sido ele. 

Difícil manter aquela grandeza todo o tempo. Falo constantemente do peso da realidade para os alunos. Mas, por agora, o que eu puder deixar escorrer de bom para suas almas...

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