sábado, 24 de janeiro de 2015

Expondo-me em público

A evolução:

1. Eu não me expunha porque tinha medo do julgamento alheio. Criava cenas na cabeça de como seria se me expusesse. Dessa capacidade de pensar em diálogos dei origem ao ofício de dramaturgo a que, às vezes, me entrego. Mas, minhas peças reais sempre terminam com finais felizes. Quando não, entendo que ainda não acabaram. Os críticos delas, cristãos todos, sempre me estimulavam a essa perspectiva otimista da realidade. Na faculdade, os finais, sempre em mim, sem críticos, sem leitores de mim, eram trágicos. Resultado: laconismo.

2. Na outra metade da vida, me expunha até demais. É que na arte não há verdade, e cada gesto e palavra é encarado como criação. As críticas não te devolvem ao certo, mas ao belo. Palestras, depois de muito ter estudado a doutrina em que fui criado, começaram a fluir. O público, todos cristãos, sempre são sorrisos. Raramente tive alguém para me dizer qual a verdade da doutrina contra a mentira da minha exposição. As falas, constantemente, eram somativas. Se no começo gaguejava, depois passei a calcular passos, hoje quase sou natural. Me sinto bem.

3. Voltei a um universo de verdades. Entrei em um curso de palhaços. Havia uma pessoa que nos dizia o que era melhor, o que parecia esteticamente mais atraente. Eram verdades, sim, mas sensíveis, sutis e graciosas. As pessoas ousavam com seus corpos no palco. As verdades eram bem mais soltas, dançavam. A criação importava muito, mas sem tensão, sem frouxidão também. Era uma experimentação semanal para chegar no ponto certo. Experienciei uma outra forma de taquicardia, não mais do medo, mas da aventura quando eu era o próximo a ser desafiado. É que não me sentia desafiado. Sentia me desafiando.


4. Estive muito tempo exposto em púlpitos. Estudei muitos textos para transformar em palestras, didatizá-los. Um amigo querido me convidou, então, para sentar e escutar o grupo de estudo dele. Senti a grandeza de calar, de ouvir, de se deliciar com o raciocínio do outro, reconhecer a beleza das experiências dos mundos vizinhos. Eu participava pouco, com falas não tão importantes sobre as grandes filosofias que ia lembrando relacionadas a certas experiências dos indivíduos, que realmente importavam. 

6. Voltei para o universo das verdades, mas das verdades radicais. Os erros da medicina são intoleráveis. Estive em um círculo de treinamento de docentes. Hoje ouvi: "você gostaria de ser atendida por um médico que só soubesse de 32% do que deveria saber, que se vestisse de forma inadequada, barba mal feita, que se atrasasse para consulta". Verdades sociais: "uma mãe se negou a deixar que sua filha fosse consultada pelo menino tatuado, outra pela menina com rastafare". Voltou a falta de vontade de me expor, mas o fiz. Agora com o mesquinho sentimento de querer acertar o gabarito. Não alcancei a sinceridade, a naturalidade, a espontaneidade de uma conversa. Todavia, ainda contribuí com a roda lembrando que literatura médica poderia ser uma poesia, uma filosofia, uma pedagogia, quando todos falavam sobre revistas indexadas e qualis. Graças a Deus meus pares concordaram! São pessoas boas, cheias de uma vontade de fazer o certo. E deve fazer mesmo. O que me incomoda é a existência ontológica do certo. "A criação é permitida, contanto que se cumpra a grade curricular, que se chegue no objetivo". 

Alguma coisa dentro de mim diz que deve ser assim mesmo, óbvio, são vida humanas! Mas, por isso mesmo, são humanas...

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